Terreiro Candomblé de Indaial vê racismo religioso em veto do Prefeito e apresenta “Carta grito de esperança”

Foto: Terreiro Candomblé de Indaial
Foto: Terreiro Candomblé de Indaial

INDAIAL – O Pai Almir de Oxossi do Terreiro de Catimbo de Jurema E Candomblé Reino de Osòóssí, se manifestou sobre o Veto do Prefeito André Moser (PSDB), ao Projeto de Lei Ordinária Nº 150/2022, de autoria do vereador Roger Knipers (MDB), que Declara Utilidade Pública o Terreiro de Catimbo de Jurema E Candomblé Reino de Osòóssí Indaial, que fica localizado no bairro Carijós, a entidade tem nomenclatura com CNPJ como Organização Assistencial, Cultural, Educacional e Religiosa Ile Axe Ijoba Ode Erin-Reino Osòóssí.

Ainda no mês de dezembro, após saber sobre o Veto do Prefeito, Pai Almir afirmou que estava surpreso, pois na votação os parlamentares aprovaram por unanimidade o Projeto. E no mês de fevereiro a Autoridade Tradicional enviou para a Câmara de Vereadores de Indaial uma Carta a Comissão de Justiça e Redação da Casa. Para o coordenador do Terreiro de Catimbo de Jurema E Candomblé, a Carta foi um grito de esperança por todos os Povos Tradicionais de Matriz Africana estabelecidos no município de Indaial.

Em outra citação, já nas redes sociais do Terreiro de Candomblé, Pai Almir questionar qual o real motivo que levaria o prefeito a tomar tal atitude sem ao menos, argumentar com o autor da proposta ou mesmo com a beneficiária do referido título! E afirma Espero se tratar de um equívoco e não mais uma ação de fruto no racismo religioso institucionalizado pelo próprio Estado.

Foi enviado ao site Vale do Itajaí Notícias identidade jurídica do Terreiro de Camdonblé pelo Cartão Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ) é configurada por um código de atividade econômica principal definida como ATIVIDADES DE ASSOCIAÇÕES DE DEFESA DE DIREITOS SOCIAIS, e, no campo do código de atividades econômicas secundárias, é configurada como ATIVIDADES DE ORGANIZAÇÕES ASSOCIATIVAS LIGADAS À CULTURA E À ARTE.

Para Vetar o Projeto de Declaração de Utilidade Pública o Prefeito André Moser informou entre outros itens que Recebeu a manifestação dos segmentos religiosos de nossa cidade e fiz uma análise dos aspectos legais. Como a entidade tem em seu estatuto, atividades religiosas, entendo pela proibição constitucional do projeto apresentado.

Candomble Indaial 2
Representantes dos Povos Tradicionais de Matriz Africana

Carta enviada pelo Pai Almir a Câmara Municipal de Vereadores de Indaial  

À Câmara de Vereadores de Indaial
Sr. Presidente
Nesta
É com grande surpresa que recebemos o veto global do projeto de Lei
Ordinária 150/2022, haja visto o mesmo ter passado pelas comissões dessa casa e ter sido
examinado, colocado em discussão, e votação, e, principalmente, ter sido aprovado por
unanimidade! Seguindo, assim, para o Executivo a fim de publicação. Mais surpresa nos causa
quando recebo a informação pela imprensa do veto do prefeito.
Segundo reportagem do ‘Jornal Vale do Itajaí Notícias’, o veto ocorreu
porque o prefeito ao receber a manifestação de segmentos religiosos e, após analisar os
documentos, entendeu que a entidade mantém atividades religiosas e decidiu pelo veto.
Inclusive, na própria reportagem, a Vereadora Raquel Rufino manteve contato com a equipe de
reportagem para informar que como “parlamentar cristã”, vai defender o veto do executivo
municipal.
A Organização Assistencial, Cultural, Educacional e Religiosa ‘Ile Ase
Ijobá ode Erin – Reino de Oxossi’ trava uma batalha diária dentro da sociedade, não para
garantir o direito ao qual a Constituição já lhe garante, de professar a sua fé, mas de a
sociedade compreender que nossos territórios não são apenas religiosos.
Nossa tradição e cultura é militar e a religiosidade que praticamos é
originada de Povos Tradicionais de Matriz Africana chegaram aqui nos porões dos navios
negreiros, sem falarmos nas vidas dos irmãos que ficaram pelo meio do caminho no oceano, ao
atracarem em solo brasileiro, eles não trouxeram escravos! Eles trouxeram povos com uma
história riquíssima. Povos oriundos de um continente que é berço da humanidade!
É preciso ser entendido que não somos apenas religiosos cultuando e
professando uma fé diferente! A Fé é parte de nossa existência! Nossos territórios, para aquém
de sagrados, são história, geografia, filosofia, sociologia, linguagens etc. desses povos. São
espaços de educação e cultura. Porque nesses territórios vivenciamos linguagens próprias,
indumentárias próprias, culinárias próprias e o culto à nossa ancestralidade é parte desse
legado, que se diferencia de acordo com o povo que ali vive, a saber cada povo Bantu, Ewé fon
ou Iorubá é o contínuo civilizatório de países e regiões diversas de África.
Infelizmente, depois de duas décadas de protocolada a lei 10.639/2023
ainda lutamos para que nossa história seja conhecida e reconhecida, haja visto a luta
antirracista que envolve esse reconhecimento, num país que se consolidou pela falácia da
democracia racial. Isso dificulta a compreensão de que nossas lutas estão aquém do viés da
religiosidade. Nesse caminho temos algumas batalhas já vencidas como a instituição do dia 21
de janeiro como Dia do Combate à Intolerância Religiosa, concebido em 27 de dezembro de
2007.
Contudo, quando trazemos para o horizonte o que resultou essa data,
podemos observar que trata-se uma luta que vai aquém do direito a professar uma Fé, mas de
acabar com esse genocídio que atinge nosso povo. A data foi escolhida em virtude de um
episódio ocorrido na Bahia, em 21 de janeiro de 2000, quando uma autoridade tradicional foi
morta, vitimada por atos violentos praticados por fanáticos. Já se passaram 16 anos e os atos
de racistas, genocidas e de intolerância têm crescido assustadoramente!
Um desses caminhos de luta é se fortalecer exatamente nos diálogos
com as instituições políticas a fim de que não esbarremos em situações equivocadas como a que nossa unidade territorial tradicional está sendo submetida. Para isso, conseguimos, em
2016, junto às secretarias de políticas de políticas de promoção da igualdade racial e de
políticas para comunidades tradicionais, constituir o Marco Conceitual dos Povos Tradicionais
de Matriz Africana. E, em maio de 2022, protocolamos o Marco Legal dos POTMA, que hoje
tramita enquanto Projeto de Lei 1279/2022.
Nesse PL, nós, Povos Tradicionais de Matriz Africana (POTMA), somos
identificados como grupos culturalmente diferenciados, com formas próprias de organização
social em territórios constituídos a partir de valores civilizatórios e de cosmovisão trazidos para
o país por povos originários de países de África, durante o sistema escravagista, transmitidos
pela oralidade. e nos reconhecemos como descendentes de povos Africanos, especialmente
dos povos Banto, Jeje e Iorubá.
O PL ainda qualifica, como Unidade Territorial Tradicional (UTT), os
espaços certificados necessários à reprodução cultural, social e econômica das comunidades,
utilizados de forma permanente ou temporária.
E define que a soberania Alimentar é um direito de cada comunidade
de manter e desenvolver seus alimentos conforme sua tradição, diversidade cultural e
produtiva, levando em conta que:
• Alimento tradicional é todo o alimento que pode ser compartilhado
com a divindade e ancestralidade;
• Alimentação Tradicional é aquela constituída dentro de um processo
ritualístico que inclui a produção, o beneficiamento, o preparo e o consumo dos alimentos;
• Abate tradicional é o sacrifício dos animais de forma doméstica e
ritualística, com processos de higienização e esterilização com a garantia de não sofrimento do
animal.
O PL tem 34 artigos, e entre eles está a constituição do fundo nacional
de reparação do crime contra a Humanidade que foi a escravidão. Esse fundo destina-se a
custear ações governamentais para o desenvolvimento dos povos e comunidades tradicionais
de matriz africana. Ele torna dever do poder público e da sociedade a adoção de ações voltadas
para a valorização da ancestralidade Africana no Brasil e para o enfrentamento ao racismo.
Além de:
– Obrigar o Executivo a realizar campanha nacional de informação e
valorização da ancestralidade Africana no Brasil;
– Determinar ao poder público a realização de diagnóstico
socioeconômico e cultural dos povos e comunidades tradicionais de matriz africana;
– Determinar ainda que a política de segurança pública deverá conter
medidas para coibir atos violentos ou de intolerância contra os povos de Matriz Africana;
– Garantir aos Territórios Tradicionais de Matriz Africana a
inviolabilidade,, não cabendo qualquer espécie de violação sem mandado judicial;
– Definir ser livre o exercício das atividades próprias dos POTMA;
cabendo punição civil e penal para quem frustrar os atos realizados dentro ou fora dos
territórios Tradicionais de Matriz Africana;
Ainda que se trate de um projeto lei e dependa de votação, trazemos
ao debate, a fim de tornar nítida a amplitude do que se está, nessa casa, querendo tratar como
um caso de observância religiosa. Salientamos, mais uma vez, que buscamos o reconhecimento
das atividades desenvolvidas pela entidade para a comunidade, independentemente da fé que essa comunidade pratique.
Por conseguinte, ainda assim nos causa estranheza que o argumento
do veto se baseie nas atividades religiosas da organização, pois existem outros exemplos de
entidades com atividades religiosas e que mantém inclusive convênio com o poder público
exemplo, a saber, podemos sinalizar alguns casos:
• O Hospital e Maternidade Marieta Konder Bornhausen foi inaugurado
em 28 de janeiro de 1956; Em 1977, com a administração hospitalar já transferida à Sociedade
Cultural Beneficente Nova Lourdes, e na sequência, à Sociedade Divina Providência, foi iniciada
a construção do novo prédio do Hospital e Maternidade Marieta Konder Bornhausen, obra que
foi concluída em apenas dois anos de execução. Em 03 de janeiro de 1985, o Governo do
Estado de Santa Catarina assinou convênio transferindo o gerenciamento do Hospital e
Maternidade Marieta Konder Bornhausen às irmãs do Instituto das Pequenas Missionárias de
Maria Imaculada (IPMMI), sediado em São José dos Campos (SP).
• No dia 12 de setembro de 1937, nascia em Timbó a primeira
maternidade, atualmente conhecido como Hospital e Maternidade Oase. O Hospital é mantido
pela Ordem Auxiliadora das Senhoras Evangélicas de Timbó – Oaset, sucessora da sociedade
Feminina Evangélica. Fundado em 12 de setembro de 1937, iniciou os trabalhos como a
primeira Maternidade de Timbó, tendo na época como parteira, Schwester Helena Suez; • A
Câmara Municipal de Anápolis – GO em 14 de setembro de 2018 reconheceu o Terreiro de
Umbanda Pai Chico Preto;
• A Câmara Municipal de Uberaba-MG reconheceu como de utilidade
pública a Casa Espirita Reino de Oxalá em 09/04/2018;
• Em 26 de fevereiro de 2015, a Câmara Municipal de Curitiba – PR
declara de Utilidade Pública a Sociedade Espiritualista Cruzeiro das Almas. Estes são alguns dos
títulos de utilidade pública que podemos encontrar em uma breve busca na internet.
A pergunta que fica é: será que realmente a preocupação é com a
legislação? Parece-nos, pois, realmente, tratar-se de uma questão religiosa, afinal de contas
quando se diz que o País é laico queremos crer nisso e lutamos, diariamente, para que
realmente o seja. Mas, quando nos deparamos, no início da sessão na câmara de vereadores
com a leitura de um trecho da bíblia ou com o símbolo maior do cristianismo (CRUCIFIXO) isso
não causa estranheza a nenhum dos senhores, pois a nós sim?
Quando lemos, numa matéria, que a “Parlamentar Cristã” vai manter o
veto do executivo não nos parece uma questão legal, mas sim de intolerância religiosa,
perpetuada pelo racismo aos povos negros que sofrem constantemente a perseguição aos seus
direitos. Vale observar a quantidade de enfrentamentos que vivemos tão somente por
estarmos com nossas vestes. Ainda aproveitamos esta, para negritar a essa casa, um pouco de
nossas ações em nossa unidade tradicional territorial, observando que O Ile Axé Ijobá Odé Erin
– Reino de Osòòssí, foi fundado em novembro de 2004 e, nesse mesmo ano, passou a
desenvolver projetos em parceria com a ONG Farol que distribuía material informativo e
preservativos para profissionais do sexo na cidade de Itajaí e região. Desde então diversas
ações vêm sendo desenvolvidas no âmbito sócio-político. Em 2005, juntamente com o
mandato coletivo do então Vereador João Vequi, ajudou na elaboração do II Encontro dos
Movimentos Sociais da Cidade de Itajaí. Participou do Projeto Nossa Casa, na mesma cidade,
atendendo pessoas em situação de rua, oportunizando espaço para acolhimento e
encaminhamento para as suas cidades de origem caso esse fosse o desejo ou para o mercado de trabalho, em 2006. Ocupou, em 2007, a cadeira representando a comunidade de Terreiro do
Estado de Santa Catarina no Seminário Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional realizado
na cidade de Fortaleza – CE. Em 2008, esteve presente na arrecadação e distribuição de
donativos aos atingidos pela tragédia que se abateu no Estado por conta das chuvas e o
rompimento do gasoduto na cidade de Gaspar. Também em parceria com a ONG Farol, em
2009, desenvolveu o projeto de apresentação teatral da criação do mundo segundo a visão da
cosmogonia iorubá, que foi apresentada no teatro de Itajaí – SC. Realizou o mapeamento das
Unidades Territoriais Tradicionais (UTT), em 2010, no Estado de Santa Catarina. Esteve presente
em ações de luta e combate ao preconceito e intolerância religiosa na cidade de Brusque, em
2012. Esteve presente, em 2016, colaborando com em parceria com outros municípios
planejando e desenvolvendo a semana da consciência negra. Colaborou na realização da
exposição Orixás, em 2017, na semana da consciência negra na cidade de Brusque. Esteve
presente defendendo a liberdade de culto de matriz africana, em 2018, no aniversário do
Centro Universitário de Brusque UNIFEBE. Em 2019, realizou o registro de fato da fundação da
entidade como pessoa jurídica. Promoveu a semana da Consciência Negra em parceria com a
Fundação Indaialense de Cultura, realizou a Exposição Itinerante dos Orixás nas cidades de
Indaial, Timbó, Rodeio…De 2020 a 2022, com a pandemia manteve apenas as atividades
internas e de assistência à comunidade, conforme orientações de segurança e saúde, quando
retomamos as atividades participando do Fórum Nacional de segurança Alimentar e Nutricional
dos Povos Tradicionais de Matriz Africana no Encontro Nacional, na cidade de Porto Alegre pelo
Sistema Nacional de Desenvolvimento Econômico e Finanças Solidárias Ubuntu, SINDESU, que
aconteceu de 01 a 05 de abril de 2022. Em junho, desse ano, esteve realizando a Assembleia de
Fundação do Fórum Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional da Cidade de Indaial nas
dependências da Fundação Indaialense de Cultura.
Todo este histórico foi anexado ao PL 150/22, inclusive com fotos para
melhor compreensão da veracidade das atividades, mas consideramos importante e oportuno
trazê-las, reforçando a questão de que não estamos de fato falando aqui de religião, mas de
ações reais que ultrapassam a essa questão, conforme todo relato. Dessa forma, por todo o
exposto rogamos aos nobres Edis que se debrucem sobre o mérito da questão, para aquém,
das manifestações dos segmentos religiosos. Aproveitando a oportunidade para apresentar os
votos de estima e apreço,
Cordialmente,

Pai Almir de Oxossi
Autoridade Tradicional
Coordenador de Projetos
Coordenador Executivo do FONSANPOTMA Indaial/SC 

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