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Déjà vu eleitoral: as semelhanças e diferenças entre 1989 e 2018

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POLÍTICA – À sombra da hiperinflação, o Brasil de 1989 deixava para trás as trevas da ditadura e apostava no poder do voto para vencer a crise econômica e mudar o país. Na primeira eleição direta para presidente da República desde o fim do regime militar, 22 partidos apresentaram candidatos, em uma disputa que se mostrava imprevisível. Passados 29 anos, a indefinição e a multiplicidade de candidaturas se repetem às vésperas de mais uma campanha, mas o contexto é outro: hoje, as urnas não têm o apelo de outrora, e a descrença na política só aumenta.

Pontos de contato e de dissenso entre aquela experiência histórica e o pleito de 2018 alimentam análises e ajudam a projetar o que vem pela frente em outubro. Se as diferenças não podem ser ignoradas, a lista de coincidências reforça a sensação de déjà vu – a começar pelos envolvidos.

É o caso dos dois protagonistas do segundo turno de 1989: os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Fernando Collor de Mello, hoje no Partido Trabalhista Cristão (PTC). Ambos prometem voltar.

À época, Lula era um líder à frente do movimento operário e de uma sigla relativamente jovem. Collor integrava o desconhecido Partido da Reconstrução Nacional (PRN) e era uma incógnita na maior parte do país, embora já tivesse governado Alagoas. Saiu vitorioso, mas ficou marcado pelo confisco das cadernetas de poupança e, dois anos após a posse, pelo processo de impeachment. Foi absolvido das suspeitas em 2014, por falta de provas.

No início deste ano, anunciou a decisão de concorrer outra vez ao Palácio do Planalto. Hoje, além de senador, é réu na Operação Lava-Jato por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e organização criminosa. No último dia 6, na tribuna do Senado, discursou como candidato.

— Seria covardia renunciar à verdade e desviar de mais um desafio que o destino me impõe. Os temores da história não podem preceder aos ardores da modernidade — disse.

Derrotado em 1989, Lula seguiu tentando até ser eleito em 2002 e reeleito em 2006, com altos índices de popularidade. Inaugurou uma nova era na política e conseguiu fazer uma sucessora, Dilma Rousseff (PT), tornando-se um nome significativo da história do país. Mas, como Collor, viveu uma reviravolta. Viu o impedimento de Dilma, em 2016, e, tragado pela Lava-Jato, foi condenado a 12 anos e um mês de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Declarou guerra ao Judiciário e, agora, tenta se manter no páreo.

Se as pretensões da dupla de voltar à cena encurtam a distância temporal entre 1989 e 2018, outras semelhanças chamam a atenção de analistas. Em relatório divulgado no fim de 2017, o banco Credit Suisse traçou paralelos, comparando eventuais candidatos da campanha que se avizinha a figuras de 29 anos atrás.

Candidatos da eleição de 1989.

Santinhos de candidatos a presidente em 1989Foto: Reprodução / GaúchaZH

Uma das associações envolve o polêmico deputado Jair Bolsonaro (PSC), aposta da extrema direita em 2018, e o cardiologista Enéas Carneiro, fundador do extinto Partido de Reedificação da Ordem Nacional (Prona), morto em 2007. Conhecido pelo bordão “Meu nome é Enéas”, o médico pertencia ao mesmo campo político de Bolsonaro e se tornou persona folclórica pela forma como se apresentava.

Segundo o relatório assinado pelos economistas Nilson Teixeira, Iana Ferrão, Leonardo Fonseca e Lucas Vilela, Enéas defendia bandeiras hoje atribuídas ao parlamentar conservador, como o “restabelecimento da ordem” e de “supostos valores da família tradicional”. Bolsonaro nunca escondeu a admiração por Enéas.

A equipe do Credit Suisse também identificou conexões entre o governador de São Paulo e possível candidato do PSDB, Geraldo Alckmin, e Mário Covas, que disputou a Presidência pela sigla em 1989. Caso Alckmin permaneça na briga em 2018, os consultores do banco avaliam que ele se apresentará como “político muito experiente”, “capaz de superar a polarização no país”, adotando o tom conciliador de Covas no passado. Os dois trabalharam juntos. Antes de morrer, em 2001, Covas governava São Paulo e Alckmin era o vice-governador.

As comparações contemplam ainda Fernando Gabeira, que concorreu pelo PV em 1989, e Marina Silva (Rede), ex-ministra do Meio Ambiente e, por isso, nome vinculado às causas ecológicas; Ciro Gomes e Leonel Brizola, ambos do PDT, pelo “viés aparentemente mais nacionalista”; e os apresentadores de TV Luciano Huck e Silvio Santos.

Com grande repercussão à época, o dono do SBT chegou a se lançar ao pleito pelo antigo Partido Municipalista Brasileiro (PMB), mas na última hora teve a inscrição barrada pela Justiça Eleitoral. Huck poderia embaralhar a disputa, ameaçando a hegemonia de políticos tradicionais. Mas, por enquanto, tem negado a hipótese de se aventurar na vida pública.

Embora o prazo para o registro das chapas termine em 15 de agosto, a lista de aspirantes já supera duas dezenas de nomes. Muitos nunca concorreram à Presidência e vêm de áreas variadas. Estão incluídos na lista a ex-apresentadora da Globo Valéria Monteiro (PMN), o cirurgião plástico Robert Rey, estrela do reality show Dr. Hollywood, o líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) Guilherme Boulos, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles (PSD), o presidente do BNDES, Paulo Rabello de Castro (PSC), a deputada Manuela D’Ávila (PC do B) e o empresário João Amoêdo (Novo). Entre os velhos conhecidos, além dos já citados, estão Levy Fidelix (PRTB) e José Maria Eymael (PSDC).

Tamanha pulverização se equipara ao primeiro turno de 1989, quando mesmo siglas jovens e com estruturas insignificantes lançaram candidatos.

— Provavelmente, teremos tantas candidaturas quanto naquele ano. Os novos partidos têm, mais uma vez, uma janela de oportunidade única para se divulgar — avalia a cientista política Andréa Freitas, coordenadora do Núcleo de Estudos das Instituições Políticas e Eleições da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

 Mobilização pelas eleições presidenciais diretas, em 1984.Comício pelas Diretas Já na Avenida Borges de Medeiros, com Rua dos Andradas (Rua da Praia), em 1984.- Esquina Democrática-#Envelope: 20183-*OBS CDI:-IMAGEM NÃO DIGITALIZADA A PARTIR DO NEGATIVO.-FOTO DIGITALIZADA A PARTIR DA CARTOLINA/CONTATO/PREVIEW DO NEGATIVO ORIGINAL.

Comício das Diretas Já na Esquina Democrática, em Porto Alegre, em 1984.Foto: Mauro / Agencia RBS

A DEMOCRACIA COMO UMA NOVIDADE

As razões por trás da grande quantidade de concorrentes no passado e no presente são diferentes. Para o jornalista Fernando Gabeira, que viveu a experiência de 1989, a explicação deriva do espírito de cada tempo.

— A pluralidade de candidatos em 1989 representava o início de uma experiência democrática. Agora, representa uma crise profunda dessa representatividade. Em 1989, a experiência de um sistema político-partidário estava recém engrenando. Agora, estamos vivendo a agonia desse sistema. Além disso, lá atrás, surgiram mais postulantes ligados a partidos. O que pode acontecer agora é aparição de nomes da sociedade, sem vinculação partidária na origem — projeta Gabeira.

Candidato pelo PCB à época, o deputado federal Roberto Freire, hoje no PPS, aponta um aspecto diferente sobre o mesmo tema, pouco lembrado por quem vê mais afinidades do que discrepâncias entre as duas fases:

— A eleição de 1989 foi solteira. Não estavam em disputa outros cargos, portanto, nada impedia os partidos de lançarem candidatos próprios. Eles não precisavam se preocupar com coligações para viabilizar candidaturas nos Estados, por exemplo. Em 2018, ao contrário, estarão em jogo vagas para presidente, governador, deputado e senador. Os partidos terão de fazer alianças, e isso vai impor limites.

Outro ponto crucial para a definição do quadro em 2018 é o destino do ex-presidente Lula. À frente das pesquisas de intenção de voto, o petista pode desequilibrar a competição, mas corre o risco de se tornar inelegível.

— Será completamente diferente com Lula e sem Lula. Se a candidatura for proibida, a tendência é termos maior pulverização, com cara de primeiro turno de 1989. Se não for, é possível que alguns nomes à esquerda desistam de competir para apoiá-lo. Nesse caso, teremos um cenário de maior polarização, com cara de segundo turno de 1989. Ou seja: existem semelhanças em qualquer uma das hipóteses, mas em contextos diferentes — afirma o cientista político Guilherme Simões Reis, da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio).

Essa talvez seja a principal assimetria entre os dois períodos. Desde o final de 1970, o país caminhava para a abertura política. As novidades incluíam a anistia e a volta dos exilados, o fim do bipartidarismo, a explosão do movimento grevista e, em 1982, a primeira votação direta para governador em 22 anos.

Com ampla cobertura da imprensa, os comícios das Diretas Já exigiram a retomada do sufrágio universal para presidente e se tornaram o símbolo dessa nova fase, envolta em alta expectativa. Apesar da mobilização popular, a eleição presidencial de 1985 ainda se daria de forma indireta, resultando na escolha do candidato da oposição ao regime militar.

Conhecido pelo perfil moderado, Tancredo Neves (PMDB) partilhava da herança getulista e tinha a simpatia das massas. Mas, na véspera da posse, seria internado às pressas e morreria no mês seguinte, sob forte comoção.

Reprodução da capa do jornal ZH do dia 22 de abril de 1985.#Capa Digitalizada Fonte: Reprodução

Foto: Reprodução / Ver Descrição

Em meio à perplexidade geral, o então vice-presidente José Sarney (PMDB) – um conservador, coronel em seu Estado de origem – assumiria o lugar de Tancredo com o compromisso de consolidar a transição democrática. Caberia a ele garantir as condições para a Assembleia Nacional Constituinte e a promulgação da nova Constituição.

Na área econômica, o grande desafio era conter a escalada da inflação, que beirava os 200% ao ano em 1985. Para isso, Sarney engatou vários pacotes econômicos, todos sem sucesso. O primeiro foi o Plano Cruzado, que teve êxito efêmero com o congelamento de preços, mas logo se deteriorou. O clima de otimismo deu lugar à decepção.

Em 1987, o agravamento da crise levou à moratória, isto é, à suspensão do pagamento dos juros da dívida externa. Era mais um sintoma da total falência das contas públicas.

 Governo congela preços e supermercados fazem remarcações nos preços das mercadorias.Plano CruzadoPasta: 40016Caixa: 1211Envelope: 41870

Com o congelamento de preços do Plano Cruzado, produtos começaram a desaparecer das prateleiras.Foto: Dulce Helfer / Agencia RBS

Esse foi o pano de fundo da campanha eleitoral para a sucessão de Sarney, no fim de 1989, com a inflação batendo 1.782% ao ano. Depois de 29 anos de espera, os brasileiros finalmente votariam de novo para presidente. Muitos, pela primeira vez.

— Havia grande pessimismo, mas era diferente do que vivemos hoje. O Brasil olhava para a frente. Tinha a expectativa de uma nova era. A desilusão em relação à crise econômica era compensada pela crença na política, na democracia. As pessoas queriam participar, queriam votar. Eu vivi isso. Nunca tinha votado para presidente — diz Pedro Dutra Fonseca, professor de Economia Brasileira na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

O sentimento transparecia inclusive na propaganda eleitoral. Tudo sinalizava para um “recomeço”.

— Até os jingles tinham um clima de “agora vai”. Havia alguma deslegitimação do sistema por conta da visão negativa que se tinha do governo Sarney e da forma como ele se tornou presidente, mas o otimismo das Diretas Já voltou com tudo. Outra curiosidade era a imagem dos partidos, muito forte nas campanhas, ao contrário do que acontece hoje — observa Andréa Freitas.

O desapontamento em relação à política se intensificou ao longo nos últimos anos, na mesma medida em que escândalos de corrupção, alianças espúrias e o fisiologismo ganharam repercussão. Pesquisadores apontam 2013 como um dos marcos da recente crise de representatividade, com a eclosão das manifestações de junho.

No início, as passeatas se limitaram a condenar os reajustes nas tarifas do transporte público e a exigir o passe livre. Aos poucos, a classe média se apropriou do movimento, e a pauta mudou, tornando-se mais difusa. Críticas aos desvios de dinheiro público e a problemas em áreas como saúde e educação passaram a preponderar, além de queixas contra os gastos com obras da Copa do Mundo de 2014.

Florianópolis , SC ,Brasil Manifestação em Florianópolis.

Movimento Vem pra Rua liderou protestos.Foto: Ricardo Wolffenbüttel / Agencia RBS

Multidões vestindo verde e amarelo engrossaram as manifestações, anunciando que “o gigante acordou” e surpreendendo analistas. Àquela altura, as pessoas lutavam “contra tudo que está aí”, inclusive os partidos e seus representantes. A guinada abriu uma crise sem precedentes desde a redemocratização e colocou o sistema em xeque. Grupos reivindicando a volta dos militares passaram a se manifestar abertamente, o oposto do que ocorreu em 1989.

— É claro que havia órfãos da ditadura naquela época (1989), mas eles estavam calados, escondidos, porque o Brasil vinha num crescendo: anistia, Diretas, Constituinte. Hoje há setores indignados. Mudou tudo — aponta Roberto Freire.

Embora o governo da então presidente Dilma Rousseff ainda gozasse de certa popularidade nos levantes de 2013, o clima nas ruas era o prenúncio do terremoto que estava por vir. Atenta aos sinais, a revista britânica The Economist estampou na capa, em setembro daquele ano, um Cristo Redentor de ponta-cabeça, acompanhada da seguinte pergunta: Has Brazil blown it? (“O Brasil estragou tudo?”).

A publicação concluiu que os “protestos em massa”, o “Estado inchado” e a “economia estagnada” deveriam levar Dilma a mudar de rumo. Naquele momento, a desaceleração econômica começava a se tornar visível.

Em novembro de 2014, depois de uma campanha marcada por ataques, tensão e acentuada polarização, Dilma conseguiu se reeleger, mas o resultado foi apertado. O Brasil estava cindido, e a divisão se acentuaria nos meses seguintes.

Em 2015, o fantasma da recessão voltou a assustar o país, com a inflação atingindo a marca de dois dígitos, a taxa de desemprego nas alturas e o rombo crescente nas contas públicas. O tsunami financeiro veio acompanhado de uma hecatombe política, com a Lava-Jato escancarando a fraude na Petrobras. As suspeitas recaíram sobre os principais partidos brasileiros, mas as consequências políticas atingiram principalmente o PT.

Mais uma vez, multidões vestiram as cores da bandeira brasileira e protestaram, desta vez batendo panelas, pelo fim da gestão Dilma, com mais de 70% de reprovação. O segundo impeachment da história do Brasil não tardou a se concretizar. Em agosto de 2016, Dilma caiu e foi sucedida pelo vice, Michel Temer (PMDB), mas a crise não cessou.

Em nova edição, The Economist estamparia mais uma vez o Cristo Redentor na capa, agora segurando um cartaz com a inscrição “SOS”. No editorial, a publicação afirmou que “Dilma Rousseff levou o país para baixo, mas toda a classe política também”.

De lá para cá, apesar dos sinais de retomada da economia, o sentimento de desconfiança e de frustração em relação aos políticos continua. Até o início de fevereiro, a Lava- Jato contabilizava 177 condenações em primeira instância, com penas de 1,7 mil anos de prisão. No STF, 193 inquéritos foram instaurados, envolvendo nomes ilustres como o do senador Aécio Neves (PSDB-MG), que por pouco foi derrotado por Dilma em 2014. Temer e seus principais aliados estão envolvidos em denúncias, mas têm proteção do foro privilegiado.

Desde o ano passado, o presidente da República tornou-se o mais impopular no cargo desde Sarney. Conforme pesquisa do Datafolha, a rejeição ao Congresso também atingiu o índice mais alto de 1993 para cá.

— Em 1989, os partidos tinham prestígio, capacidade de mobilização e lideranças emergentes. Hoje, as siglas perderam o crédito e os líderes não existem mais. Não se vê nenhum projeto de país sendo desenhado que aponte caminhos claros. A eleição de 2018 vai se restringir a um debate de curto alcance, sobre como resolver o presente e sobretudo sobre como consertar a política. Será um debate muito mais de arrumação do que de futuro — conclui o cientista político Marco Antônio Carvalho Teixeira, coordenador do curso de Administração Pública da Fundação Getulio Vargas (FGV) em São Paulo.

A instabilidade em andamento contribui para reforçar as dúvidas em torno do resultado. Essa indefinição, paradoxalmente, aproxima 2018 de 1989, mas, mais uma vez, de modo diverso. No início daquela campanha, a divisão da esquerda e da direita em inúmeras candidaturas e a inclusão de nomes que ainda não haviam sido testados embaçavam as previsões.

Debate entre os candidatos à presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva (E) e Fernando Collor de Mello, mediado pela jornalista Marília Gabriela, no segundo turno das eleições presidenciais de 1989.#PÁGINA:06 Fonte: Reprodução

Lula e Collor se encontram em debate em 1989.Foto: Reprodução / Ver Descrição

CENÁRIO PROPÍCIO PARA AS SURPRESAS 

Na fase da definição de candidaturas, nem mesmo Collor despertou atenção. Antes de se lançar ao certame, ele chegou a pedir para ser candidato a vice-presidente na chapa de Ulysses Guimarães, então deputado federal do PMDB. Ouviu um sonoro “não” como resposta. A história é contada no novo livro de Sarney, Galope à Beira-mar, prestes a ser lançado.

— Cresça e apareça — teria dito Ulysses, sem jamais imaginar que, meses depois, seria derrotado pelo jovem à sua frente.

À época, pela visibilidade que havia conquistado durante a Constituinte, supunha-se que Ulysses tinha boa probabilidade de vencer. Outros postulantes sobre os quais recaía grande expectativa eram Leonel Brizola (PDT), ex-governador do Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro, e Mário Covas (PSDB), prefeito da maior cidade brasileira entre 1983 e 1986. No PT, Lula era um líder popular cada vez mais consolidado.

Pela direita, os nomes mais cotados eram Paulo Maluf, então no PDS, ex-governador de São Paulo e ex-prefeito da capital paulista, e Aureliano Chaves (PFL), vice-presidente no mandato de João Figueiredo e ex-ministro de Sarney.

— Se você analisar os jornais da época, ninguém chutaria o segundo turno entre Collor e Lula. Ulysses ficou para trás (em sétimo lugar), muito em razão do jingle equivocado, que dizia “bote fé no velhinho”. Aquilo soou ultrapassado, e as expectativas sobre ele não se concretizaram. Agora, acredito que a imprevisibilidade será no mesmo nível, ainda mais se Lula ficar de fora — opina Andréa Freitas.

pagina 9 PASTA 7032 CX 48 NEGATIVO 33051 Fonte: BaseDC

Em 1989, apuração de votos envolvia grande mobilização.Foto: Daniel Conzi / Ver Descrição

Um dos fatores que tendem a colaborar para isso é a influência da internet, em especial das redes sociais. Em 1989, as tentativas de forjar e difundir notícias falsas eram mais limitadas. Entre as alternativas estavam os panfletos, que se encarregavam de disseminar as “notícias sujas” da campanha, e a mídia tradicional, em especial a TV – principalmente por meio dos programas eleitorais e dos debates, recheados de “denúncias”.

Na atualidade, a web se encarrega da transmissão das fake news, em velocidade antes inimaginável.

— Boatos e rumores continuarão sendo característicos nesta eleição, como foram em 1989, só que a internet acelera o falatório. A questão é como isso vai bater nas pessoas. Um fenômeno recente é a toxidade das redes sociais, que se tornaram um antro de informação enviesada e sensacionalista, desencadeando um bloqueio por parte dos usuários, que começam a rejeitar as “tretas” políticas — afirma Fábio Malini, coordenador do Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura (Labic) da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes).

Outra novidade serão os posts impulsionados. Os candidatos poderão fazer anúncios em sites como o Facebook, e a propaganda chegará aos usuários, furando as bolhas individuais.

— Em 1989, não havia nada disso. Só que lá, quando um boato ganhava repercussão, demorava dias até que se conseguisse desmentir e corrigir as informações. Aí você tinha o caos instalado na imprensa. Em 2018, veremos uma sucessiva substituição de temáticas e hashtags diariamente, e é provável que nenhum caso dure muito tempo — projeta Malini.

Embora o avanço tecnológico seja um ponto de dessemelhança entre as duas eleições, os temas em pauta tendem a se repetir – com exceção da segurança pública, que, desde a intervenção federal no Rio, pode surgir como um diferencial em 2018. Quanto aos assuntos repetidos, corrupção e economia devem ser os principais, mas com abordagens distintas.

— Do ponto de vista econômico, o grande debate de 1989 girava em torno da dívida externa e, principalmente, da inflação. Em 2018, essas são pautas superadas. A discussão vai girar em torno das reformas — prevê o economista Pedro Fonseca.

Quanto às irregularidades cometidas por agentes públicos, o contraste também será evidente, na avaliação da cientista política Rita de Cássia Biason, coordenadora do Centro de Estudos e Pesquisas sobre Corrupção da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Franca (SP). A pesquisadora lembra que, em 1989, Collor ganhou popularidade ao se apresentar como “caçador de marajás”, referindo-se aos servidores com altos salários e privilégios. Em 2018, o debate terá a influência da Lava-Jato.

— Collor se apropriou do discurso da modernização do Estado. Funcionou. Hoje, temos todo o impacto da Lava-Jato, e dificilmente os políticos tradicionais vão conseguir se apropriar dela, porque praticamente todos os partidos estão envolvidos — afirma Rita.

A opinião é compartilhada por outros especialistas. Andréa Freitas lembra que Collor foi bem sucedido ao convencer o eleitorado de que iria “salvar o Brasil”. Guilherme Simões Reis recorda que ele se apresentava “como um super-herói, um cara forte que enfrentava tudo e todos”.

— Quem virá com esse discurso da regeneração agora? Talvez algum candidato do Judiciário — arrisca Marco Antônio Carvalho Teixeira, lembrando as especulações em torno do ex-presidente do STF, Joaquim Barbosa.

O apelo ao “novo”, na avaliação dos pesquisadores, deve se sobrepor, com candidatos se apresentando como “outsiders” e “apolíticos”. Entre os velhos conhecidos dos eleitores, a tendência é de que procurem renovar os discursos na tentativa de se reinventar, tudo isso à sombra da operação que revirou o país do avesso. O risco, concluem os cientistas políticos, é a ascensão de um novo “salvador da pátria”.

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